sexta-feira, 3 de junho de 2011

Direitos da Criança

O presente trabalho sob tema: Direitos da Criança, enquadra-se na disciplina de Perspectivas Africanas de Fenómenos Psicologicos objectivando fazer uma análise comparativa da convenção internacional dos direitos da criança, na qual Mocambique é signatário, e os direitos da criança sob a perspectiva das cultura moçambicana.

Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) é documento que enuncia um amplo conjunto de direitos fundamentais – os direitos civis e políticos, e também os direitos económicos, sociais e culturais – de todas as crianças, bem como as respectivas disposições para que sejam aplicados.

Para a elaboração do trabalho recorreu-se à pesquisa bibliográfica que, de acordo com Luna (1999), é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos e que são revestidos de importância por serem capazes de fornecer dados actuais e relevantes sobre o assunto em questão.



Convenção dos Direitos da Criança (CDC)

A CDC não é apenas uma declaração de princípios gerais; quando ratificada, representa um vínculo juridíco para os Estados que a ela aderem, os quais devem adequar as normas de Direito interno às da Convenção, para a promoção e protecção eficaz dos direitos e Liberdades nela consagrados (UNICEF, s/d).

Este tratado internacional é um importante instrumento legal devido ao seu carácter universal e tembém pelo facto de ter sido ratificado pela quase totalidade dos Estados do mundo (192). Apenas dois países, os Estados Unidos da América e a Somália, ainda não ratificaram a Convenção sobre os Direitos da Criança (UNICEF, s/d).

A Convenção assenta em quatro pilares fundamentais que estão relacionados com todos os outros
direitos das crianças:
a não discriminação, que significa que todas as crianças têm o direito de desenvolver todo o seu potencial – todas as crianças, em todas as circunstâncias, em qualquer momento, em qualquer parte do mundo.
o interesse superior da criança deve ser uma consideração prioritária em todas as acções e decisões que lhe digam respeito.
a sobrevivência e desenvolvimento sublinha a importância vital da garantia de acesso a serviços básicos e à igualdade de oportunidades para que as crianças possam desenvolver-se plenamente.
a opinião da criança que significa que a voz das crianças deve ser ouvida e tida em conta em todos os assuntos que se relacionem com os seus direitos.

A Convenção contém 54 artigos, que podem ser divididos em quatro categorias de direitos: os direitos à sobrevivência (ex. o direito a cuidados adequados); os direitos relativos ao desenvolvimento (ex. o direito à educação); os direitos relativos à protecção (ex. o direito de ser protegida contra a exploração); os direitos de participação (ex. o direito de exprimir a sua própria opinião).


Definição da criança
Segundo a convenção dos direitos da criança (artigo 1), criança é todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes (Bandeira, 2010).

Segundo o relatório da sociedade civil sobre a implementação da convenção dos direitos da criança (2009), na ordem jurídica moçambicana convivem dois conceitos jurídicos cuja precisão jurídica não reúne consenso, nomeadamente: O conceito de criança e de menor. Nos termos da CDC a pessoa é considerada criança até completar a idade de 18 anos. No entanto, a legislação moçambicana estabelece diferentes idades, o que dificulta o entendimento e a definição da criança.

O Código Civil define a maioridade civil em 21 anos, o que significa que na ordem jurídica moçambicana toda a pessoa tem de completar pelo menos 21 anos para poder exercer pessoalmente os seus direitos. Antes de se completar esta idade, salvo algumas excepções admitidas pelo artigo 124 do Código Civil (CC), o exercício de direitos carece de consentimento dos representantes legais. É obviamente importante clarificar que a maioria civil tem a ver com a capacidade de exercitar direitos autónomos e não exactamente com o conceito de criança.

Porém, maioridade política é fixada em 18 anos. A partir desta idade o cidadão pode eleger e ser eleito para qualquer cargo político excepto para o cargo de Presidente da República (cuja idade mínima aceitável é de 35 anos). Esta idade coincide com a idade referida na CDC e é fixada pela Constituição da Republica de Moçambique (CRM).

Com respeito a imputabilidade criminal, de acordo com o código penal (CP) uma criança com idade inferior a 16 anos não responde criminalmente pelos seus actos. Assim sendo, A partir desta idade o menor, nos termos quer das disposições da CDC e do CC, responde criminalmente pelos seus actos. É de referir que o Código Penal data de 1886 e a proposta da sua revisão não altera a imputabilidade criminal dos menores.

Visão panorâmica sobre Moçambique

Do ponto de vista económico e social, importa salientar que o ambiente em que os direitos da criança são implementados é próprio de um país que até 1992 era considerado o mais pobre do mundo e com uma elevada taxa de analfabetismo. Segundo os dados do Relatório Nacional de Desenvolvimento Humano de Moçambique, em 1997, quase 70% de Moçambicanos viviam debaixo da linha da pobreza absoluta e ademais, o país teve um dos índices mais baixos do produto interno bruto (PIB) per capita na África e um crescimento económico anual avaliado em cerca de 13%. Não obstante, segundo dados actualmente disponíveis, a pobreza em Moçambique reduziu significativamente de 69.4% (em 1997) para 54.1% (em 2003), mostrando o esforço que tem sido envidado pelas autoridades governamentais do país em melhorar as condições em que a sua população vive (relatório da sociedade civil sobre a implementação da convenção dos direitos da criança, 2009).

Neste contexto de pobreza absoluta, o cumprimento dos direitos humanos tem encarado sérios problemas, o que contribui para frequentes e sistemáticas situações de violação intencional ou negligente dos direitos da criança, nomeadamente: A exploração económica da criança no seio da sua própria família, o crescimento do fenómeno da criança na rua e outras dificuldades sociais, enfrentadas pela criança.

A Constituição da República de Moçambique (CRM), estabelece o regime de recepção das convenções internacionais, dispondo que as convenções internacionais entram em vigor depois de serem ratificadas e publicadas no Boletim da República e que elas têm o valor jurídico correspondente ao respectivo instrumento de ratificação (artigos 17 e 18 da CRM). A Convenção dos Direitos da Criança (CDC) foi recebida através da Resolução no 19/90 da Assembleia da República (AR), de 23 de Outubro.

No entanto, a Constituição da República de Moçambique (CRM) cria um quadro jurídico favorável à realização dos direitos da criança, nomeadamente, através do artigo 11 alíneas c), d), e) e f ), o capítulo dos direitos fundamentais mais particularmente, o artigo 47 (sobre os direitos da criança), 120 (paternidade e maternidade) e 121 (a infância).



Comparação da convenção dos direitos da criança em relação aos da cultura moçambicana
No que diz respeito aos princípios gerais, o relatório realça o princípio de não-discriminação, o interesse superior da criança, o direito a vida, sobrevivência e desenvolvimento, sublinhando também a necessidade de considerar as opiniões da criança. Do ponto de vista legal, o princípio da não discriminação encontra-se garantido, mas quando se analisa o referido princípio com referência à materialização de direitos, constata-se existirem algumas diferenças de natureza prática. É o caso ilustrativo das barreiras arquitectónicas nos estabelecimentos de ensino, que criam embaraços às crianças portadoras de necessidades especiais; as desigualdades encontradas entre a criança rural e urbana em matéria de serviços básicos de saúde. No que toca ao direito à vida e sobrevivência, o relatório chama atenção para o facto de as estratégias de prevenção contra abusos que interferem no desenvolvimento da criança serem limitados e pouco evidentes. Nota-se que neste domínio, existe uma maior propensão para a presença de meios reactivos (repressivos) dos abusos, do que propriamente os de prevenção, recomendando-se a este respeito uma maior coordenação dos esforços das autoridades entre elas próprias, bem como com a sociedade civil. O Relatório recomenda também o estabelecimento de mecanismos mais claros de intervenção das crianças, através dos seus organismos representativos, no processo de tomada de decisões públicas.

Passando para os direitos civis e políticos, a garantia do direito ao nome, nacionalidade e preservação da identidade é consagrada na lei todavia, o regime de registo ainda não é favorável para os cidadãos uma vez que, em primeiro lugar, especialmente nas zonas rurais, as autoridades de registo localizam se muito longe das comunidades; em segundo lugar, depois de 20 dias, a taxa de registo pode ser considerada extremamente alta para as famílias pobres com mais de uma criança. Em terceiro lugar, as famílias não entendem os benefícios de registrar uma criança antes que esta precise de certidão de nascimento para apresentar na escola secundária e em quarto lugar, as estruturas de direito têm dificultado a mudança de um nome de uma criança cujo registo se tenha feito na ausência de um dos progenitores, quando este se faz presente.

Num outro plano, quando se analisa os dados sobre a Liberdade de expressão e direito de acesso à informação apropriada, constata-se a fraca capacidade do Estado garantir a existência de bibliotecas públicas devidamente apetrechadas com conteúdos adequados e apropriados para as crianças.

Na vertente da liberdade de pensamento, consciência e religião, liberdade de associação e de reunião, protecção da privacidade, acesso à informação adequada, o relatório destaca algumas irregularidades.

Na liberdade de consciência, destaca-se o facto de alguns serviços não disporem de procedimentos claros sobre os casos em que as crianças devem exercer o direito de objecção de consciência, por exemplo, por motivos religiosos (situação mais frequente nas escolas). Quanto à liberdade de associação e de reunião, os direitos fundamentais consagrados na CRM, recomenda-se que o direito interno crie mecanismos que permitam a legalização de associações de crianças cujo papel dos adultos seja apenas de orientar e/ou apoiar. Quanto ao aspecto da protecção da privacidade, o relatório apresenta alguns casos em que a privacidade da criança não foi respeitada e não houve relato de a entidade reguladora da comunicação social ter reagido contra a violação do direito à protecção da privacidade da criança.
No concernente ao abuso de drogas e outras substâncias, é notável que o consumo de álcool por crianças com menos de 18 anos de idade tende a aumentar consideravelmente. Isto acontece em locais públicos sem mínima atenção por parte das autoridades em tentar combater este mal social, apesar da existência de uma lei que proíbe esta prática. Mas a permissão de consumo de álcool pela família é também alta, dai que implementação da lei pelas autoridades deve tomar em consideração a sociedade civil em comum, facto que se acredita que pode diminuir consideravelmente o consumo de álcool e uso de drogas no seio das comunidades.

Respeito às opiniões da criança (artigo 12)
O respeito pelas opiniões da criança pressupõe o direito de participação da criança no processo de tomada de decisões. Esta participação pode ser institucional e individual. O Estado moçambicano aceita e apoia moralmente a existência do parlamento infantil e de outras organizações de apoio á crianças porém, se estas organizações forem tomadas como organizações da sociedade civil, é de concordar com estudo da FDC sobre o índice da Sociedade Civil em Moçambique que conclui que há pouca influência da sociedade civil no processo de tomada de decisões públicas.

Não há mecanismos de interacção e auscultação durante a elaboração dos planos, dos programas orçamentais, dos programas governamentais e mesmo das organizações da sociedade civil. Mas também em organizações de sociedade civil, geralmente as opiniões das crianças não são ouvidas nem consideradas. Porém, o parlamento infantil, embora importante, não é suficiente para garantir o respeito pela opinião das crianças. Para além disso, deve se assegurar que as instituições de direito ajam sem manipulação da lei, embora não exista actualmente um sistema para monitorar esta situação.

Aliás, no que diz respeito aos parlamentos infantis, há que mencionar o facto de que a metodologia da indicação dos seus membros foi por via de selecção por adultos e não pelas próprias crianças e num processo pouco abrangente, do ponto de vista territorial. No entanto, as próprias crianças algumas vezes põem em causa a legitimidade dos membros dos parlamentos infantis, evidenciando-se deste modo, a necessidade de evolução dos mecanismos de selecção dos membros, a própria articulação dos parlamentos infantis de modo a, facilitar-se a inclusão das ideias das crianças no processo de governação. É de referir, porém, que algumas organizações da Sociedade Civil assim como agências internacionais já começaram a envidar esforços a todos níveis de modo a considerar as opiniões da criança em todos âmbitos, e é importante que se louve ao apoio disponibilizado por algumas entidades governamentais para este programa. Não obstante, existe ainda uma necessidade por uma aproximação sistemática que pode ser derivada da expansão das experiências existentes assim como das melhores práticas.

Ao nível familiar, constata-se pouca relevância às opiniões da criança. A concepção da imaturidade da criança é a justificação para a sua não audição quando se trata de tomada de decisões que a afectam, tais como, a escolha de escolas, o tipo de ensino e religião. Um assunto que impede este direito é a dificuldade para equilibrar a consideração das opiniões das crianças assim como a orientação que as crianças necessitam.

Liberdade de pensamento, consciência e religião, liberdade de associação e de reunião, protecção da privacidade, acesso à informação adequada (artigos 14, 15, 16, 17)
Sobre à consciência e a religião, foram citados casos de crianças de algumas comunidades que sofrem restrições no exercício daqueles direitos. É que de acordo com algumas confissões religiosas, as crianças cujos pais ou encarregados de educação frequentam aquelas confissões são educadas a não respeitarem certos símbolos do Estado, tais como o Hino Nacional. Registam-se casos, em algumas escolas em que este direito de consciência das crianças não é respeitado pois, algumas autoridades escolares obrigam a criança a cantar o hino contra as suas crenças. Tais práticas podem levar a que algumas crianças reprovem por faltas, na medida em que a recusa em cantar o hino é sancionada por falta.

O direito de não ser submetido a tortura ou outros Tratamentos cruéis e desumanos, incluindo castigos físicos (art. 37 (a))
A submissão da criança à qualquer castigo corporal é proibido e punível nos termos da lei e do Regulamento Interno do Ministério de Educação. Não obstante, o país continua ainda a registar casos inúmeros de maus tratos físicos às crianças mas que os seus pais não denunciam tais casos sob pena de a criança ser vítima de vingança pelos seus professores nas escolas.

Podemos citar ainda casos em que os pais ou os responsáveis pela criança recorrem à certas formas de castigo corporal/psicológico como forma de educar a criança ou medida para correcção de um comportamento indesejado. Estas práticas estão enraizadas culturamente pois, em muitas situações

Exploração económica da criança, incluindo o trabalho infantil (artigo 32)
Moçambique é parte das convenções da OIT sobre a idade mínima para o emprego e sobre o combate às piores formas de trabalho infantil#. E como se referiu, a nova Lei do trabalho acomoda, os princípios adoptados nestas convenções. Pelo que, do ponto de vista formal, há uma protecção legal da criança contra a exploração económica da criança, incluindo o trabalho infantil.

No entanto, estudos recentes e a observação da realidade revelam que existem dificuldades de implementação da legislação neste aspecto. Estes estudos demonstram que o trabalho infantil envolve crianças entre os 7 e 17 anos de idade, crianças estas que estão expostas a trabalharem mais de 8 horas por dia, durante 7 dias por semana; destacando-se como piores formas de trabalho infantil o trabalho doméstico, a agricultura (agricultura familiar de rendimento – algodão e tabaco), a pesca, o comércio, a prostituição, a mineração de pequena escala, indústria manufactureira, a limpeza de viaturas e a indústria florestal.

Estes resultados empíricos monstram claramente que ainda existe uma dificuldade extrema para o controle da exploração económica da criança no sector informal, nomeadamente a presença das crianças nos mercados informais (venda de produtos em plena via pública, limpeza de campas nos cemitérios, assim como a limpeza de viaturas nas cidades), o envolvimento das crianças no pedido de esmola (tanto para si mesmo ou acompanhar um adulto para pedir esmola na via pública).



Conclusão
Com a elaboração do trabalho o grupo constatou que o Estado moçambicano, por sinal signatário desta convenção, faz um esforço enorme para o respeito dos direitos da criança no país. Contudo, devido ao baixo nível de desenvolvimento do pais, multiplicidade cultural, taxa de analfabetismo muito alta e pouco conhecimento das leis, muitos esforço tem sido em vão. Por exemplo as bibliotecas não têm material suficiente para as crianças.

Outro aspecto importante de ser realçado tem a ver com as práticas culturais, o ser crianca é relativo, em certas culturas a criança basta passar por ritus de iniciação é considerada adulto com direito a participar em reuniões de adultos, não obstante a sua idade. Há que se referir ainda que as situações em que os pais decidem sobre o casamento da filha a sua revelia, obrigando neste sentido a interroper os estudos. Estes aspectos podem se interpretados como violação dos direitos da criança, de acordo com a lei. Contudo, em termos culturais são práticas considerados normais. Isto é, parte-se do pressuposto que as crianças devem obediência aos seus pais sem questionar.


Referências bibliográficas

Luna, S. V. (1999). Planejamento de pesquisa: uma introdução (2ªed). São Paulo: Educ.

RELATÓRIO DA SOCIEDADE CIVIL SOBRE A IMPLEMENTAÇÃO DA CONVENÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA (2009). Maputo: Rede da Criança.

UNICEF (s/d). DIREITOS DA CRIANÇA. Acessado no dia 27 de Abril de 2011 em http://www.unicef.pt/artigo.php?mid=18101111&m=2.

Bandeira, M. (2010). Convenção internacional dos direitos da criança de 1989. acessado no dia 27 de Abril de 2011 em http://marcosbandeirablog.blogspot.com/2010/10/convencao-internacional-dos-direitos-da.html.

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